“É um lugar que faz bem para quem vai”. Gab Müller, do Plantear, repete na entrevista para essa reportagem um pensamento que conversava com colegas à beira do Rio Pequeno, na comunidade Agroflorestal José Lutzenberger, no dia 6 de junho, em visita na 3ª Jornada da Natureza. “Eu amo o rio, é um lugar muito lindo, me dá uma paz”, complementa.
O Rio Pequeno, querido pelo nosso engenheiro ambiental, membro do Plantear há pouco mais de dois anos, passou por uma retificação. Esse processo indica a alteração do curso natural do rio. As curvas são eliminadas, o rio passa a ser reto e com isso ganha velocidade. Vinculada a uma ideia mais “economicista”, a retificação de um rio é propulsora de uma série de problemas ambientais.
Um desses problemas é a dispersão de resíduos pela Baía de Antonina. A outra é o agravamento da degradação ambiental na área do rio. Esse rio ainda se encontra perdido em parte considerável de sua extensão, correndo, ansioso como nós…
Mas em um território de cerca de 228,8 hectares (ha)*, onde é o Lutz, ele voltou a fazer curvas. No começo dos anos 2000 a área foi ocupada pelo Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem Terra (MST) que formou a comunidade. Articulando saberes locais com conhecimentos técnicos, principalmente na área da agroecologia, a comunidade começou a apresentar resultados de recuperação ambiental.
Além disso, em 2021, a área em que hoje se encontra a comunidade vivia uma situação de negociação de compra e venda. Houve muita pressão e luta para que o Estado do Paraná adquirisse a terra do antigo proprietário em favor da Reforma Agrária. Nesse contexto, Lutz e Plantear se encontraram.
O Ministério Público do Paraná (MPPR), encaminhou um pedido para o Plantear desenvolver um trabalho de monitoramento, recuperação e análise de dados históricos e de dados ambientais sobre a área antes e depois da ocupação do MST. Uma das principais descobertas do primeiro estudo técnico é que a área de posse, correspondente a 228,8 ha, tinha aproximadamente 30 ha** a mais do que o registrado na matrícula do terreno.
A professora e pesquisadora Daniele Pontes integrante do Plantear, do Centro de Estudos em Planejamento e Políticas Públicas (CEPPUR), do Programa de Pós-Graduação em Urbanismo (PPU) e do Programa de Pós-Graduação em Direito (PPGD), explica que o estudo desenvolvido pelo Plantear no Lutz constatou, também, que a área passava por uma degradação ambiental considerável em torno do rio, atingindo mais de 70% da área. A criação de búfalos no local agravou o problema ocasionando, também, situações de erosão do solo. Além disso, foram encontradas espécies vegetais invasoras, como por exemplo a braquiária uma planta muito resistente e que servia como alimento para os búfalos criados no território.
Após constatar uma série de irregularidades ambientais e um índice de degradação substancial na área, o Plantear fez um estudo técnico para determinar o desenvolvimento do local no período pós-ocupação do MST. Entre 15 e 20 famílias vivem no Lutz e, como explica Daniele, elas foram responsáveis pela retomada da vegetação e das áreas de preservação, além de proporcionar que, pelo menos naquele trecho de terra, o Rio Pequeno sinta-se mais calmo e faça suas curvas. Uma pequena mudança que resulta em benefícios ambientais, sociais e econômicos significativos para a comunidade e toda a região litorânea.
Além disso, comenta a pesquisadora, essas famílias produzem alimentos para toda a região, participam de feiras e ajudam a movimentar o comércio local. Dessas atividades também é retirada a renda de sustento das famílias da comunidade.
“Esse projeto demonstra que, tendo mais gente, não significa menor qualidade ambiental. Pelo contrário, com mais pessoas, a qualidade ambiental aumenta. Várias famílias estão aproveitando o território, convivendo com a natureza, e é o esforço coletivo delas que produz um espaço muito mais equilibrado do ponto de vista ambiental.”, afirma Daniele.
Visita ao Lutz na 3ª Jornada da Natureza no começo de junho. Foto: Gabriel DomingosVisita ao Lutz na 3ª Jornada da Natureza no começo de junho. Foto: Gabriel Domingos
Comunidade de cientistas. Uma equipe formada pelas pessoas do Lutz e da universidade
Em pouco mais de 40 minutos de conversa para esta reportagem, a pesquisadora Daniele Pontes fez uma explicação detalhada dos estudos desenvolvidos pelo Plantear e o como foi importante para a comunidade ter em mãos as informações produzidas pelo coletivo. Ela também comentou, com bastante orgulho em sua voz, sobre a formação das equipes que trabalharam em cada pesquisa e a missão de orientar pesquisadores e pesquisadoras:
“Ser pesquisador(a) é ser alguém com muita curiosidade. No caso desses estudos, a gente é de áreas muito diferentes, são muitas pessoas conversando e tentando entender um território complexo”, argumentou. Gab Müller, que abriu essa reportagem contando para nós porque o Lutz é mágico, encontrou na comunidade um espaço para aprimorar os conhecimentos aprendidos na universidade:
“Vindo de um curso que trabalha muito a área ambiental, mas que ainda separa as pessoas da natureza, é muito legal estar lá e colaborar com a pesquisa e ajudar a gerar dados que comprovem essa conexão das pessoas com a natureza. Foi aquela galera que fez o rio voltar para o lugar”, conta.
Durante nossa conversa, Gab mergulhou em profundas reflexões sobre como construir um trabalho comum entre uma gama de pessoas tão diferentes. Daniele também reforçou essa característica do trabalho no Lutz, o envolvimento de alunos e alunas e de pessoas da comunidade com vários saberes e um interesse em comum para construir as pesquisas e jeitos de viver o mundo e naquele território.
Ricardo Volpi, membro da comunidade há quatro anos, também destacou o trabalho do Plantear. “As famílias assentadas, os camponeses precisam de um suporte mais técnico que é o trabalho feito pela Universidade”, afirma.
Para Ricardo, duas coisas foram fundamentais nesse processo. A primeira: o trabalho da universidade em construir conhecimentos junto com a comunidade. Explica ele que a ação de pesquisadoras e pesquisadores junto com camponeses foi o ponto inicial do trabalho agroflorestal. Além disso, ele comenta que o Plantear ajudou a comunidade a conquistar a área do Lutz.
Essa conquista, explica a pesquisadora Daniele Pontes, se dá pelas informações e dados analisados pelo Plantear. Com as situações observadas pelo coletivo de degradação e crimes ambientais, foi possível proporcionar ao Governo do Estado e a Justiça condições muito mais favoráveis para a aquisição da área e, assim, ajudar na manutenção e fortalecimento do trabalho da comunidade.
E o que vem por aí?
Gab Müller deseja manter as visitas ao Lutz e, quem sabe, até aumentar a frequência nos novos projetos que serão desenvolvidos com a comunidade. E como todo bom trabalho é coletivo, o Gab não quer fugir da cidade para o Lutz sem levar companhia: “É um desejo nosso ter uma constância de visitas e também que novas pessoas possam ir conhecer. É um lugar que faz as pessoas se conectarem”, afirma.
Essa conexão, Gab explica, vem pela mistura de saberes e pela energia que a galera jovem do Lutz coloca no movimento. Essa mesma galera jovem também constrói uma identidade forte, ligada a cultura caiçara da região, que Gab não conhecia antes de chegar ao estado e comemora: “É muito bom que esses jovens consigam permanecer lá, porque às vezes a realidade é de sair para buscar oportunidades melhores”, argumenta.
E é com esse espírito que inspira novos conhecimentos e desejo de trabalhar com e pela natureza que encerramos com o convite: “Bora nos engasgarmos de oxigênio no Lutz?”
* Na tentativa de facilitar a compreensão do tamanho do espaço do Lutz, está reportagem faz uma conta aproximada utilizado o Jardim Botânico como exemplo. Um dos maiores e mais simbólicos cartões-postais de Curitiba, o Jardim Botânico com sua estufa, bosque, galeria das quatro estações, flores e outros espaços está situado em uma área de 27 hectares. Isso significa dizem que o Lutz, em sua área total, comportaria pouco mais de 8 “jardins botânicos” de Curitiba.
** Considerando o mesmo exemplo anterior, significa dizer que na negociação para a compra da área, o antigo proprietário cobrava um “Jardim Botânico” a mais do que o espaço registrado na matrícula do terreno.